O manuscrito da imagem se
refere a um processo inquisitorial do século XVIII contra Antónia Maria, mulher
parda moradora da Vila de Pitangui, comarca de Sabará (MG), que é acusada de
desacatar o Santíssimo Sacramento, assim como, ao comungar, tirar e guardar a
hóstia na bolsa a fim de realizar ritos de feitiçaria. E, assim como Antónia
Maria, muitas mulheres contemporâneas do século XVIII, não só em Minas Gerais,
poderiam ser denunciadas ao Tribunal do Santo Ofício* por qualquer ação que
pudesse ser considerada desviante. Ainda é interessante pontuar que homens
também podiam ser associados às práticas mágicas e denunciados, alguns estudos
mostram que a porcentagem de homens denunciados era maior que a de mulheres.
O Brasil, enquanto
colônia portuguesa, não chegou a receber o Tribunal do Santo Ofício, mas sim
apenas algumas visitas inquisitoriais que cobriam grande parcela do território
e aconteceram nos anos de 1591 a 1595, 1618 a 1620, 1763 a 1769.
Minas no período colonial
se caracterizava por ser plural, onde conviviam europeus, africanos, indígenas
e mestiços, e por essa razão alguns historiadores apontam que o imaginário da
elite branca era marcado pela crença de que escravizados poderiam trazer em sua
bagagem cultural o domínio de práticas mágicas e feitiços. O que justifica que
tantos casos envolvendo a bruxaria se refiram à mulheres, mas sobretudo homens
africanos ou descendentes. Mas essa característica não interfere no fato de que
a população branca também fosse denunciada por feitiçaria.
Em uma sociedade marcada
pela escravidão, muitos negros eram denunciados por manusear plantas para curas
e, na maioria das vezes, por matar ou causar doenças em outros escravos, ou
membros da família do seu senhor. Alguns denunciados chegaram a ser torturados
para que pudessem confessar.
Sem deixar de lado,
claro, as relações sociais entre escravizados e seus senhores, pensar nas
denúncias por feitiçaria em Minas Colonial pressupõe a reflexão sobre as
fronteiras das religiosidades que atravessaram o Atlântico com os escravizados,
assim como a ressignificação de elementos católicos para práticas de matrizes
africanas. Mas também na própria atuação e recepção do cristianismo, já que
este poderia ser questionado e a blasfêmia** estava presente em um grande
número de processos.
*Foi um conjunto de instituições da Igreja
Católica com poder jurídico que tinha como objetivo perseguir heresias,
feitiçaria e tudo que fosse considerado de caráter desviante dos preceitos do
catolicismo.
**Difamação no nome de Deus.
Texto e imagem por: Rafaela Guimarães
Revisão e postagem por: Débora Sara
Fonte: Processo de Antónia Maria. Arquivo
Nacional Torre do Tombo, nº de referência: PT/TT/TSO-IL/028/09738.
Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2309887. Acesso em: 27
out. 2021.
REFERÊNCIAS:
BETHENCOURT, F. As
visitas. In.: BETHENCOURT, F. História
das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália (séculos XV-XIX). São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
NOGUEIRA, A. Da trama:
práticas mágicas/ feitiçaria como espelho das relações sociais – Minas Gerais,
século XVIII. MNEME: revista de
humanidades, vol. 05, n. 11. Caicó: 2004, p. 163-180.
RESENDE, M. L. C. de;
SOUSA, R. J. de. “Por temer o Santo Ofício”: as denúncias de Minas Gerais no
Tribunal da Inquisição (século XVIII). Varia
História, vol. 32, n. 58. Belo Horizonte: 2016, p. 203-224.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/vh/a/pw546z9v5jJTMB5PFDDjBFc/?format=pdf&lang=pt.
Acesso em: 28 out. 2021.
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