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RELATOS DE FERROVIÁRIOS APOSENTADOS

        


          Em sua dissertação de mestrado, intitulada “Pelos caminhos da Maria Fumaça: o trabalhador ferroviário, formação e resistência pelo trabalho”, Batistina Maria de Sousa Corgozinho tenta compreender a ferrovia como espaço de sociabilidade que moldou, em seus diversos âmbitos, os trabalhadores e a cidade no início do século XX. Para isso, a autora coletou diversos relatos de ferroviários aposentados.

 Com o intuito de facilitar o acesso destes, selecionamos alguns trechos de falas de ex-ferroviários presentes no livro com o mesmo nome da tese, publicado em 2014.

“[...] Em outubro de 1961, conduzindo um trem de carga após 22 horas de trabalho consecutivo, sofri uma crise cardíaca. Fiquei três anos de licença [...]” (Página 110).

“[...] Entrei para a Rede em 1º de outubro de 1916, com doze anos, como aprendiz. [...] no princípio foi terrível, meu pai ia para a beira dos córregos, dos rios para deixar as varas de espera para pegar peixe pra gente comer no outro dia, porque o ordenado era pequeno, tanto o dele, quanto o meu. Naquela ocasião o pagamento atrasava. Então foi muito difícil, trabalhei descalço para ajudar meu pai, chapéu de palha, camisa rasgada, tantas vezes... O pagamento chegava, nessa época, vinha a locomotiva com o carro pagador pagando todo mundo. Então me lembro que eu, descalço, entrava no carro pagador para receber. Meu pai segurava meu chapéu e quando eu descia com o envelope na mão entregava pra ele [...]” (Página 95).

“Sempre cumpri as ordens dos meus superiores com muito carinho. Mesmo que fosse impossível, às vezes um casamento, um batizado, deixei muitas vezes de ser testemunha de casamento, de ser padrinho de um afilhado porque o serviço me chamava, atender um socorro, reparar locomotivas, então eu deixei muitas vezes. Muitas vezes a minha família, a minha esposa e meus filhos ficavam em segundo plano, primeiro plano estava a Rede, onde eu ganhava meu sustento para cuidar da família” (página 118).

“[...] Toda vida eu gostei de ensinar o que sabia para os outros. Eles gostavam porque antigamente, na Rede, o sujeito ia fazer um serviço um pouco mais difícil, ele fazia escondido para o outro não aprender. Isso não alcancei, alcancei só eles falando que era assim porque não queria que os outros aprendessem, queria que só ele ficasse sabendo [...]” (Página 129).

“[...] Para chamar a atenção a minha maneira era essa, eu deslocava aquele trabalhador do meio dos outros, chamava lá na frente, falava que precisava dele para fazer um serviço mais lá na frente, longe deles e nós dois íamos conversar [...]” (Página 131).

“Outros empregos que existiam na cidade eram piores. Havia muito desemprego, havia pouca indústria. Depois é que veio a Pains. A Pains começou a pagar um pouco melhor, mas havia pouco emprego. O melhor, com toda ruindade, era o da estrada de ferro” (página 143).

“A Cooperativa funcionava por intermédio da caderneta de compra. Ela fornecia para nós uma caderneta do próprio armazém, a gente fazia a compra, eles destacavam uma folha que ficava com eles e a gente trazia a outra para a casa e no fim do mês descontava no pagamento” (página 145).

“[...] A punição variava, era convertida em multa de cinquenta por cento do salário ou perda total de salário. Tinha um processo. Eles apuravam tudo e se achassem que o maquinista devia ser punido ele era” (página 155).

“Criada no governo Juscelino, era muito procurada e com vagas limitadas. Hoje ela foi transferida para o SENAI. Recebia filhos de ferroviários. Para entrar era preciso fazer uma prova e não pagava nada para frequentar a escola. Tinha curso de mecânica, modelação, ajustagem, eletricidade, desenho, torneiro etc. O curso durava três anos e depois de formado podia entrar para a Rede [...]” (Página 156).

Texto por: Rafaela Guimarães 

Revisão e postagem por: Débora Sara de Andrade Mota  

Fotografia: Portal EmRedes.

Referência bibliográfica: CORGOZINHO; B. M. de S. Pelos caminhos da Maria Fumaça: o trabalhador ferroviário, formação e resistência pelo trabalho. Organização e revisão: José Heleno Ferreira, 1ª ed. Belo Horizonte: Gráfica e Editora O Lutador, 2014.

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