As linhas da modernidade contemplaram
vários países no final do século XIX e início do século XX. As estradas de
ferro começaram a ser construídas e levavam consigo reconfigurações sociais,
políticas e econômicas. Nesse contexto, a Estrada de Ferro Oeste de Minas
(EFOM) foi criada a partir da Lei nº 1.914 no ano de 1872, com o objetivo de
adentrar o sertão de Minas Gerais. Ela começou a ganhar seus contornos
iniciando na estação de Sítio, que hoje é conhecido como a cidade de Antônio
Carlos. Posteriormente foi estendida, e o trecho que ligava até São João
Del-Rei foi inaugurado em 1881. A inauguração contou até com a presença de D.
Pedro II.
No
ano de 1890, foi decidido que o “bitolinha 76” que adentrava o sertão mineiro
passando pelas cidades de Oliveira, Lavras e São João Del-Rei seria estendido
ao Distrito do Espírito Santo do Itapecerica, o que hoje conhecemos como a
cidade de Divinópolis (claro, a decisão e o trajeto que a ferrovia percorreria
foram decisões políticas). Os caminhos da Maria Fumaça se direcionavam ao
distrito, e o prolongamento seria chefiado pelo engenheiro Henrique Galvão, que
foi homenageado quando a estação ferroviária recebeu seu nome ainda em 1890.
Assim, o trem do sertão chegava à Divinópolis.
A
construção da estrada de ferro e as possibilidades de emprego assalariado
atraíram muitas pessoas, e inclusive estrangeiros como portugueses, espanhóis e
alemães. Um trabalhador da tração já aposentado fala de sua configuração
familiar a Batistina Corgozinho, e percebemos como a ferrovia possibilitou a
chegada de estrangeiros ao Brasil: “[...] meu pai era também da linha, era
feitor. Ele era português e minha mãe brasileira. Ele veio quase nas vésperas
de casar. Ele veio fugindo do exército, ele ficou com medo de ser soldado e
então fugiu para o Brasil” (p. 101-102).
Além
disso, na esteira da chegada de imigrantes europeus, surgiram novas
perspectivas de mundo na cidade de Divinópolis e o embate entre diferentes
ideologias, representadas pelos ferroviários e por aqueles ligados à tradição
do campo no município. Imigrantes espanhóis, alemães, portugueses e italianos,
além de trazerem novas técnicas e experiências de trabalho, traziam consigo
novas ideias que contestavam o sistema capitalista e a posição hegemônica
política, social e econômica da burguesia fabril, requerendo direitos e
melhores condições de vida e de trabalho para os proletariados, por meio de
greves e manifestações, e defendendo ainda a deflagração de uma revolução
social do proletariado, que colocaria um fim ao sistema capitalista e
instituiria uma sociedade sem classes e sem a figura do Estado.
As
principais ideologias difundidas e defendidas pela classe proletária nesse
período eram: o Anarquismo e o Socialismo. Idealizado pelos filósofos
Pierre-Joseph Proudhon e Mikhail Bakunin na segunda metade do século XIX, o
Anarquismo defende o fim do Estado, do sistema capitalista e de todas as
instituições que alienam o ser humano, ou seja, toda e qualquer forma de
dominação que retire a sua liberdade natural, além de defender a instituição de
uma revolução social, que extinguiria o capitalismo, a sociedade de classes, a
propriedade privada e o Estado.
Já
o Socialismo é uma ideologia formulada pelos filósofos alemães Karl Marx e
Friedrich Engels na primeira metade do século XIX. Tal filosofia política
propõe o fim da propriedade privada e do sistema capitalista, a tomada dos
meios de produção e a instituição de um Estado socialista por meio da revolução
do proletariado, que desenvolveria a economia, aboliria a sociedade de classes,
a figura do Estado e culminaria no Comunismo, estado social no qual todos os
meios de produção, a produção e o trabalho são socializados e inexistem
desigualdades sociais.
Tais
ideias influenciaram profundamente os trabalhadores e proletariados da cidade
de Divinópolis. Antes marcados por uma lógica paternalista e clientelista do
campo*, que submetia tudo e a todos aos mandos e desmandos dos grandes coronéis
e fazendeiros, os novos trabalhadores eram assalariados e lutavam por seus
direitos, fazendo com que se reconhecessem como classe social e exigissem o
cumprimento do acordo de trabalho, em troca da venda de sua mão de obra.
Destaca-se também, nesse sentido, a diversificação de técnicas e a divisão social
do trabalho**, em oposição ao trabalho único e integral realizado pelo
lavrador, uma vez que há vários operários realizando diferentes funções nas
oficinas da EFOM, como caldeireiros, maquinistas, torneiros, marceneiros etc.
Assim,
a chegada da Estrada de Ferro Oeste de Minas possibilitou o desenvolvimento
político e econômico da cidade e, consequentemente, de novas condições e
relações de trabalho que impuseram aos ferroviários divinopolitanos a luta por
seus direitos por meio de greves e manifestações, que questionavam as desigualdades socais causadas
pelo progresso desigual e as péssimas condições de trabalho a que estavam
sujeitos, como baixos salários, insalubridade, jornadas de trabalho exaustivas
e entre muitos outros aspectos trabalhistas. Nesse sentido, as linhas da
modernidade da cidade de Divinópolis foram construídas e assentadas sobretudo
pelos ferroviários da EFOM.
*
Relação econômica e social que está baseada na dependência do trabalhador do
campo sobre o fazendeiro. Em troca do trabalho realizado, por exemplo, o
coronel concede ao lavrador comida e moradia.
**
O processo produtivo é dividido em várias partes e cada função é destinada a um
proletariado, que realiza unicamente aquele trabalho, com o objetivo de
dinamizar e acelerar a produção.
Texto por: Rafaela Guimarães e Keversson Moura
Revisão e postagem por: Débora Sara
Referências
CORGOZINHO,
B. M. de S. Nas linhas da modernidade:
continuidade e ruptura. Divinópolis, 2003.
_______________________.
Pelos caminhos da Maria Fumaça: o
trabalhador ferroviário, formação e resistência pelo trabalho. Belo Horizonte:
Gráfica e Editora O Lutador, 2014.
Comentários
Postar um comentário