Entre as muitas interseccionalidades possíveis
dentro do movimento feminista, temos as reinvindicações lésbicas. Há diversos
estigmas construídos em torno desse desde a formação do Brasil colônia a
República contemporânea. Tentarei desmistificar alguns pontos que contribuem
para a discriminação dessas mulheres na sociedade brasileira e até mesmo,
dentro do próprio movimento.
No Brasil colônia, a homossexualidade era
considerada um crime. Visto isso, diversos processos inquisitórios foram
abertos contra esses indivíduos ou casais que mantinham essa conduta,
considerada pela igreja católica como depreciativa a sociedade tradicionalista.
As mulheres lésbicas, apesar de possuírem menos
processos inquisitórios, estavam rodeadas de estigmas, principalmente sobre o
comportamento sexual. Esse foi justificado muitas vezes como uma preparação
para satisfazer o marido antes do casamento, ou como um comportamento para
manter a virgindade, a maioria das possibilidades voltadas a vida clássica
doméstica, circundavam o casamento heterossexual. A subjetividade, o amor eram
retirados dessas mulheres e apresentadas numa análise voltada aos
comportamentos normativos e repressivos baseadas na construção tradicional
heterossexual do conceito de família da época.
Apesar de que no século XVII, a lesbianidade foi
retirada da categoria de crimes, essa ainda continuou sendo tratada como um
pecado, um desvio moral que deveria ser reprimido severamente dentro da
sociedade colonial.
Durante os séculos XIX e XX, numerosos relatos
enquadravam o comportamento lésbico como uma patologia. Diversos médicos
tentaram traçar o ponto de partida que desencadeava o relacionamento
homossexual, porém sem sucesso, já que esse não é uma doença. Além disso, as
analises eram comparativas aos comportamentos sociais de casais heterossexuais
cisgênero, limitando os relacionamentos a padrões pré-determinados e
socialmente impostos e toleráveis, fortalecendo assim o patriarcado e a
misoginia.
Somente no fim do século XX, a OMS (Organização
Mundial da Saúde), retirou os relacionamentos homossexuais da lista de
patologias. Uma conquista, relativamente recente, que ainda não conseguiu
abranger toda a população, já que muitas pessoas ainda mantem severos
comportamentos lesbofobicos, promovendo violências simbólicas e até mesmo
físicas direcionados a essas mulheres.
Na disputa dos espaços sociais, seja no trabalho
ou nos ambientes de lazer, as mulheres lésbicas ainda são assombradas por
assédios e há uma fetichização dos seus relacionamentos. É fundamental que as
lésbicas e também toda a comunidade LGBTQIA+ tenha liberdade para construir
suas próprias narrativas, sem repressão e medo dentro da sociedade brasileira.
A articulação do movimento feminista e LGBTQIA+ com a sociedade em dialogo, de
uma forma a possibilitar o desenvolvimento pleno desses cidadãos e fundamental
para a construção de um Brasil mais plural.
Os principais estigmas que rodeiam essas
lesbianidades atravessam pelo eixo heterossexual. Visto isso, são tentativas de
justificar um trauma provocado por algum homem, como a infidelidade ou o abuso.
Essas comparações também fortalecem o estigma e normatização do corpo feminino
como dócil, associados à feminilidade clássica. Quando um indivíduo não promove
essa performance seu controle foge desses padrões impositores, que por
consequência promove algum tipo de violência direcionado a essas mulheres.
A heterossexualidade compulsória é um termo que
explica as pressões externas que a sociedade coloca sobre os indivíduos para
construírem a sexualidade tradicional. Com isso, tentam renegar suas essências
para enquadrarem-se no padrão normativo hetero cisgênero, uma tentativa de
manutenção e opressão sistemática dos comportamentos homoafetivos.
As normatividades de gênero e de sexualidade
estão presentes em nossa sociedade atuando desvalorizando as mulheres.
Reconhecer a existência lesbiana é rever todo o sistema heteronormativo e
androcêntrico, é desconstruir o sistema de sexo binário, como apenas feminino e
masculino e ir além do sexo, pois podemos pensar os modos de vivenciar o
prazer, a sexualidade e as relações afetivo-sexuais não como baseadas na
natureza ou na biologia, na masculinidade genitalizada, ou mesmo como
determinismos culturais, mas produzidas, construídas, e, exatamente por isso,
múltiplas e passíveis de mudança (TOLEDO; FILHO. 2010)
Logo, o movimento Feminista lésbico não dissipa a
luta e sim a fortalece com outras reinvindicações. Devemos sempre estar cientes
da interseccionalidade e perceber que a pluralidade dentro dos movimentos
apenas o engrandece. Além disso compreender que cada luta tem seu valor dentro
dos movimentos não sendo vantajoso focar em apenas um aspecto e sim formar uma
rede de apoio onde todos possam ter suas demandas levadas em consideração.
Texto por: Millena Rezende
Revisão e postagem por: Débora Sara de Andrade Mota
Referências Bibliográficas
FREIRE, Lucas de Magalhães. De Sodomitas a Homossexuais:
a construção deuma categoria social no Brasil. Revista Habitus: revista
eletrônica dos alunos de graduação emCiências Sociais - IFCS/UFRJ, Rio de
Janeiro, v. 10, n. 1, p. 88 - 100, agosto. 2012. Semestral. Disponível em: <
www.habitus.ifcs.ufrj.br >.
TOLEDO, Livia Gonsalves. FILHO, Fernando Silva
Teixeira. Lesbianidades e as referências legitimadoras da sexualidade. Estud.
pesqui. psicol. vol.10 no.3 Rio de Janeiro dez. 2010. Disponível
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812010000300006#3n>
OLIVEIRA. Cláudia Freitas de Oliveira. A
homossexualidade Feminina na História do Brasil: do Esforço de Construção de um
Objeto Histórico ao Desdobramento na Construção da Cidadania. Universidade
Estadual do Ceará (UECE)
LIMA, Carlos Henrique Lucas. CAETANO, Marcio
Rodrigo Vale.Em defesa de uma Historiografia Literária Fora Do Armário. Revista
AEDOS. 2016.
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