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Adélia Prado: poeta divinopolitana

 

Com licença poética

                                                                                                      Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher,

esta espécie ainda envergonhada.

Aceito os subterfúgios que me cabem,

sem precisar mentir.

Não tão feia que não possa casar,

acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo reinos

— dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree,

já a minha vontade de alegria,

sua raiz vai ao meu mil avô.


Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.

 

Mulher é desdobrável. Eu sou.

 

-Adélia Prado


No dia 13 de dezembro de 1935, nascia na cidade de Divinópolis, em Minas Gerais, Adélia Luzia Prado Freitas, uma das maiores poetas, cronistas e contistas brasileiras ligadas ao Modernismo brasileiro. Filha do ferroviário João do Prado Filho e de Ana Clotilde Corrêa, Adélia passou a escrever seus primeiros versos e poesias, após a morte de sua mãe, em 1950.
Em 1951, inicia o seu curso de magistério e passa a lecionar na cidade do Divino. Após casar-se com José Assunção de Freitas, em 1955, teve seus cinco filhos: Eugênio, Rubem, Sarah, Jordano e Ana Beatriz. Antes do nascimento desta última, inicia a sua graduação em Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis (FAFID), onde conclui sua formação superior em 1973.
Na década de 70, Adélia envia para o crítico literário Affonso Romano de Sant’Anna seus poemas e versos. Imediatamente, este envia seus poemas para Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiros do século XX ligado à segunda geração do movimento modernista. Drummond a sugere a publicação de seus poemas, além de tecer elogios à poeta no Jornal do Brasil.
Após a crítica de Drummond, Adélia lança seu primeiro livro, Bagagem (1976), com a presença de escritores, como Clarice Lispector, e personalidades políticas, como Juscelino Kubitschek.
Em 1978, com O Coração disparado, ganha o Prêmio Jabuti, o principal prêmio literário do país. E, na década de 80, tem o seu poema Dona Doida, adaptado para uma peça teatral por Fernanda Montenegro e Fernando Torres, sendo a peça encenada e interpretada pela própria atriz.


Seu estilo literário se caracteriza pela religiosidade católica e pelo olhar do feminino sobre a vida e aspectos do cotidiano, colocando o papel da mulher sempre como o principal em suas poesias, contos e crônicas. Destaca-se ainda seu estilo por uma linguagem simples e coloquial e pela valorização e discussão de temas ligados à religiosidade, à vida, às vivências e experiências e ao cotidiano de sua cidade, Divinópolis.

Sobre a fonte de sua inspiração, Adélia diz:

 

“ Eu só tenho o cotidiano e meu sentimento dele.

Não sei de alguém que tenha mais. O cotidiano em Divinópolis é igual ao de Hong Kong, só que vivido em português”.

 

Para Adélia, sua fonte de inspiração não está ligada ao mundo material e da razão, mas sim ao mundo espiritual, isto é, das ideias, de Deus, da inspiração divina e natural das musas da poesia e da literatura. Assim, a poeta escreve em seu poema A formalística, criticando a objetividade ao se escrever poesia:

O poeta cerebral tomou café sem açúcar

e foi pro gabinete concentrar-se.

Seu lápis é um bisturi

que ele afia na pedra,

na pedra calcinada das palavras,

imagem que elegeu porque ama a dificuldade,

o efeito respeitoso que produz

seu trato com o dicionário.

Faz três horas que já estuma as musas.

O dia arde. Seu prepúcio coça.

 

Em suas poesias, Adélia também expressa seu papel de mãe, filha, avó e intelectual, mostrando o feminino de acordo com a sua visão de mundo. Assim, Adélia escreve em Dona Doida:

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso

com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.

Quando se pôde abrir as janelas,

as poças tremiam com os últimos pingos.

Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,

decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.

Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,

trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.

A mulher que me abriu a porta riu de dona tão velha,

com sombrinha infantil e coxas à mostra.

Meus filhos me repudiaram envergonhados,

meu marido ficou triste até a morte,

eu fiquei doida no encalço.

Só melhoro quando chove.


Adélia Prado diz que tudo que escreve já está escrito em duas bíblias. A primeira é a bíblia judaico-cristã, a Bíblia Sagrada, que a auxilia a se religar com o deus cristão, com sua religião e religiosidade e orienta os seus passos. A segunda bíblia é a obra Grande Sertão: Veredas, do escritor mineiro João Guimarães Rosa - um dos maiores escritores brasileiros do século XX ligado à terceira geração modernista -, que a orienta na literatura e na sua busca por escrever sobre a simplicidade da vida e do cotidiano.  

Assim, o legado de Adélia Prado segue inspirando muitas poetas e muitos poetas a escreverem e a continuarem a escrever, assim como segue emocionando seus leitores e admiradores, com seu estilo belo, livre e simples.

Dentre outras obras da poeta, estão: Solte os cachorros (1979); Cacos para um vitral (1980); Terra de Santa Cruz (1981); Os componentes da banda (1984);  O pelicano (1987);  A faca no peito (1988); O homem da mão seca (1994); Manuscritos de Felipa (1999); Oráculos de maio (1999); Prosa reunida (1999); Filandras (2001).

 

“O que a memória ama, fica eterno.

Te amo com a memória imperecível”.

-Adélia Prado

Referências

3 POEMAS de Adélia Prado, homenageada do Jabuti 2020. Grupo editorial Record, 2020. Disponível em:< https://www.record.com.br/3-poemas-de-adelia-prado-homenageada-do-jabuti-2020/>. Acesso em: 27 de fev. de 2021.

ADÉLIA Prado. Enciclopédia Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa3596/adelia-prado>. Acesso em: 27 de fev. de 2021.

MELLO, Rafaela de Campos. “Inspiração é murmúrio de fonte divina”, defende Adélia Prado. casa.com.br, 2016. Disponível em:< https://casa.abril.com.br/bem-estar/inspiracao-e-murmurio-de-fonte-divina-defende-adelia-prado/>. Acesso em: 27 de fev. de 2021. 

LÓPEZ, Maria Laura. Evento mostra influência de Guimarães Rosa em Adélia Prado. Jornal da USP, São Paulo, 08 de jun. de 2018. Disponível em: <https://jornal.usp.br/cultura/evento-debate-influencia-de-guimaraes-rosa-em-adelia-prado/ >. Acesso em: 27 de fev. de 2021.

PRADO, Adélia. Filandras. 7.ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2014.

REBINSKI, Luiz. Sem ponto final. Jornal da Biblioteca Pública do Paraná, 2015. Disponível em: <https://www.bpp.pr.gov.br/Candido/Pagina/Entrevista-Adelia-Prado>. Acesso em: 27 de fev. de 2021.

 

Texto produzido por: Keversson Moura




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