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Reinado em Divinópolis

 
O Reinado é uma festa religiosa afro-brasileira trazida pelos escravizados para o Brasil. A festividade é fruto do sincretismo* religioso de matrizes religiosas católicas, africanas e ameríndias e se configura como uma forma de se religar às práticas mágicas e religiosas africanas e aos antepassados africanos. No Reinado, são homenageados e louvados Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, padroeiros da festividade, além de Nossa Senhora das Mercês.

 

Segundo a tradição oral, o Reinado tem suas origens atreladas à figura de Francisco Rei, conhecido popularmente como Chico Rei. Galanga, nome africano de Chico Rei, era o monarca do Reino do Congo até ser trazido para o Brasil, em 1740, na condição de cativo. Após adquirir dinheiro por meio de seu trabalho como cativo, Chico Rei comprou sua alforria** e de vários outros escravizados, além de adquirir uma mina em Vila Rica. Por esse motivo, os libertos passaram a chama-lo de rei.

 

Alguns libertos se associaram à irmandade de Santa Efigênia, erigiram uma igreja em homenagem e honra à Nossa Senhora do Rosário e passaram a celebrar solenidades no dia de Nossa Senhora do Rosário, quando Chico era coroado rei e vinha acompanhado de uma rainha, ambos trajando ricas e adornadas vestes.

 

No Reinado estão presentes cânticos, danças e orações que remetem ao período da escravidão, além de serem representados elementos que fazem referência às vivências dos escravizados. Os elementos representados na festa são:

·         Marinheiros:  representam os escravizados nos navios negreiros;

·         Moçambique:  representam os escravizados já em cativeiro;

·         Vilão: representam os cativos mais próximos dos senhores de escravizados;

·         Catupé ou Catupê: representam os escravizados mestiços com ameríndios;

·         Reis e Rainhas: elementos principais do Reinado, representam os padroeiros da festividade e, por esse motivo, são coroados;

 

Na cidade de Divinópolis, várias irmandades de bairros e comunidades da cidade celebram as festividades do Reinado ao longo de todos os meses do ano, tendo cada bairro e comunidade o seu rei e rainha. No município, o principal ponto de encontro e de celebração da festa do Reinado é a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, construída em 1980 e localizada próxima ao Mercado Municipal da cidade. Esta capela é uma réplica da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, construída em 1850 por escravizados para professarem seus credos e crenças, e destruída na década de 1950 para dar lugar ao Mercado.

 

É importante destacar que o Reinado não tem relação com o Carnaval, uma vez que a festa se caracteriza, acima de tudo, como uma forma de resistência e agência dos escravizados africanos na luta pela liberdade, para resgatarem suas tradições, se religarem à sua ancestralidade africana e manterem a sua identidade.


Reinadeiros em Divinópolis. Fonte: G1. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/centro-oeste/noticia/2018/08/26/festa-de-reinado-completa-mais-de-cem-anos-em-divinopolis-cidade-criou-calendario-especial-de-comemoracao.ghtml.


*Sincretismo: "mistura" de doutrinas religiosas com o objetivo de reinterpretar alguns de seus elementos espirituais.
**Alforria: liberdade conquistada por escravos no período escravocrata por meio de documento escrito.


Referências

FERREIRA, José Heleno et al. O saber que se materializa nas festas e bênçãos religiosas: uma experiência com educação patrimonial. In: Anais do 11º mestres e conselheiros: educação para o patrimônio. Anais. Belo Horizonte (MG) UFMG, 2019. Disponível em: https://www.even3.com.br/anais/11mestreseconselheiros/162987-o-saber-que-se-materializa-nas-festas-e-bencaos-religiosas--uma-experiencia-com-educacao-patrimonial/. Acesso em: 08 dez. 2020.

AZEVEDO, Flávia Lemos Mota de et al. História de Divinópolis. Divinópolis: UEMG, 2019. 1 cartilha.





Texto produzido por Keversson Moura

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